domingo, 14 de agosto de 2011

Diálogos I - A Perfeição

Boa noite.
Fui sábado à uma festa de aniversário junto com três amigos, entre eles, Zaratustra. Foi um dia bem agradável. No total somos quatro pessoas que costumam se reunir geralmente nos fins de semana para conversar, assistir filme e passar o tempo, mas, obviamente, tinha mais gente na festa. Depois de algumas horas uma amiga nossa foi embora e um outro amigo foi conversar com outras pessoas que Zaratrustra e eu não conhecíamos, sendo assim, ele e eu resolvemos dar uma volta pela rua de madrugada e passar em sua casa para pegar uma blusa pois estava frio.
No meio do caminho e após algum tempo razoável de conversa acabamos nos questionando o que seria a Perfeição. Vemos as pessoas dizendo que procuram coisas perfeitas, relacionamentos perfeitos, momentos perfeitos, mas o que é a Perfeição em si? Perguntei isso para Zaratustra e o mesmo começou com algumas citações de filósofos famosos, terminando o resto do raciocinio com uma explicação e opinião própria que durou mais de 5 minutos. Eu nunca havia parado para pensar sobre esse assunto, e entre um balançar de cabeça e outro comecei a pensar em algum jeito de chegarmos a alguma resposta. O diálogo a seguir é uma forma sintetizada da discussão sobre a Perfeição.

- Concordo, Zaratustra, com grande parte do que disse. Mas acredito que para encontrarmos uma resposta mais precisa, pelo menos para nós, devemos nos afastar de todos os conceitos e raciocínios já criados pelo homem, afinal, já sabemos que o mesmo deturpa as situações de acordo com a sua opinião e seus interesses.
- Verdade, mas convenhamos que é difícil se afastar de explicações já prontas e mastigadas.
- Vamos trabalhar isso. Acha que seria melhor começarmos com o conceito de Perfeição na sua forma universal e abrangente? Ou devemos começar com a Perfeição de acordo com o ser humano?
- Começaremos com ela em sua forma universal e abrangente. Precisamos definir primeiro o que ela é em sua totalidade para depois partirmos para o particular.
- Tens meu apoio nisso. Vamos começar considerando que a Perfeição é boa.
- Sim.
- A Perfeição, sendo boa, não faz mal à nada.
- Correto.
- Logo, algo que é bom não é nocivo.
- Obviamente.
- Temos aí então nossa primeira premissa. A Perfeição universal, em sua totalidade, é completamente boa, e por isso é incapaz de causar danos ao seu redor.
- Bem observado.
- A Natureza em sua totalidade é boa?
- Creio que sim.
- O simples fato da natureza existir faz mal à ela mesma?
- Não posso concordar com isso.
- Podemos concluir então que a Natureza, por si só, é Perfeita?
- Com isso eu concordo.
- Vamos incluir agora os animais em nosso raciocínio, mas deixaremos os humanos de fora dessa análise. Eles fazem parte da Natureza?
- Claro.
- Um animal faz mal ao outro?
- Depende da situação, Sócrates. Um predador obviamente faz mal à sua presa.
- Sim, mas isso faz parte do Ciclo da Vida. Um predador só caça quando está com fome, alimentando-se apenas para sobreviver. Se todos os animais fossem vegetarianos arrisco dizer que a vida hoje em dia estaria extinta.
- Tens razão.
- Logo, consideraremos a interação natural entre os animais é Perfeita?
- Consideraremos.
- Um cavalo branco e saudável é perfeito?
- Sim.
- E um cavalo preto e saudável?
- Tambem.
- E  um marrom?
- Tambem, oras. Aonde quer chegar?
- Então a Perfeição está além da estética?
- Está.
- Vamos manter nossa análise usando os cavalos. Um cavalo de apenas três patas é perfeito?
- Depende. Mas deixe-me fazer uma pergunta: por que cavalos?
- Porque eu gosto de cavalos, oras. Recapitulando, ele é perfeito de acordo com a estética?
- Pode ser. Concordamos que a Perfeição está além da estética.
- Esta anomalia prejudicaria seu bando?
- Em qual forma?
- Em um ataque de predadores, ou na simples locomoção conjunta do grupo
- Prejudicaria a si mesmo e aos outros.
- Então este cavalo seria perfeito?
- Mas Sócrates, ele não tem culpa de ter essa anomalia.
- E apesar disso ele pode ser nocivo, causando mal a si mesmo e aos outros.
- Falas com razão. Este cavalo obviamente não seria perfeito.
- Um golfinho de quatro patas seria perfeito?
- De onde tiraste essa idéia?!
- Vai ver onde quero chegar.
- Obviamente que não seria perfeito.
- Para a Perfeição dos golfinhos ou dos cavalos?
- Dos cavalos. Golfinhos vivem na água e isso atrapalharia seu modo de viver, prejudicando a si e aos outros.
- Mas concordamos que um cavalo saudável e com todas as patas seria perfeito, certo?
- Sim.
- Logo, um golfinho em sua forma natural tambem seria perfeito?
- Correto.
- Essas situações dizem respeito ao modo que eles vivem?
- Que quer dizer?
- Quero dizer que um cavalo precisa mais das patas pois vive em um ambiente terrestre, enquanto um golfinho, por viver em ambiente marinho, não precisa de patas.
- Certo.
- Essas situações fazem com que eles sejam funcionais?
- Exatamente.
- Oras, a partir disso tiramos nossa conclusão sobre a Perfeição Universal. Ela é completamente boa, não sendo nociva para nenhuma forma de existência, e é funcional. A Natureza e a interação entre as formas de vida que existem na Natureza são perfeitas enquanto são funcionais. A partir do momento que tal forma perde sua funcionalidade e/ou prejudica outra forma de existência ela perde sua perfeição.
- Falas com razão, caro amigo.
- Vamos agora incluir o ser humano?
- Sim.
- Acha melhor analisarmos direto o ser humano ou vamos primeiro analisar a perfeição que o ser humano procura? De forma mais abrangente?
- Vamos direto para o ser humano. Já analisamos a perfeição de forma abrangente.
- Zaratustra, imagine alguem de vista fraca.
- Imagino.
- Se colocassem uma parede com uma coluna escrita apenas com várias letras A, indo de uma letra pequena até uma letra grande, essa pessoa teria mais facilidade em concluir que a coluna é constituída apenas da letra A se a analisasse da menor para a maior?
- Acredito que seria mais fácil se ela analisasse da letra maior para a letra menor.
- Oras, de certa forma somos como essa pessoa de vista fraca diante de um universo que não temos conhecimento. Analisamos a Perfeição Universal, mas não a analisamos como a forma que o homem procura.
- Concordo contigo. Devemos analisar a busca de forma abrangente para depois partirmos para o particular, que é o homem.
- E o homem está sempre buscando a perfeição. Mas qual seria, de uma forma geral, a maior busca para o homem?
- Acredito que a construção de uma família deva ser a maior busca. Eu diria que é a felicidade, mas não vamos misturar uma análise sobre a felicidade enquanto buscamos o que estamos focados.
- Exatamente. E a construção de uma família pode ser interpretada como uma interação que discutimos enquanto debatíamos sobre a Natureza?
- Sim, claro. Afinal, tambem fazemos parte da Natureza.
- Sabemos que o ser humano é o único ser capaz de se comunicar por palavras, entendê-las e interpretá-las.
- Sabemos.
- Eventualmente, os seres da mesma família conversarão entre si.
- É forçoso que sim. Isso está na nossa natureza.
- Discussões e brigas são frequentes em uma família?
- São.
- Geralmente são feitas através de palavras?
- Quase sempre que são.
- E palavras machucam?
- Mais do que golpes físicos.
- Diferentemente de golpes físicos, os ferimentos causados por palavras são fáceis de cicatrizar?
- Não. Muitas vezes a dor permanece a vida toda.
- E a dor é nociva?
- Obviamente. E sendo nociva, não é perfeita.
- Então o ato de construir uma família eventualmente trará dor a alguem.
- Trará.
- E antes de construir uma família, o que nós chamamos de protocolo social diz que devemos conhecer alguem, namorar, casar. Entre esse meio tempo palavras obviamente serão trocadas e brigas irão ocorrer. Alguem sairá machucado de forma física e/ou emocional?
- Com certeza que sim.
- E nas amizades? Ocorrem brigas e discussões?
- Muitas vezes.
- E um amigo machuca o outro através de palavras?
- Machuca.
- E na relação profissional?
- Sim, se formos seguir a mesma linha de raciocínio que seguimos até agora.
- E isso tudo que usamos como exemplo são formas de relacionamento?
- São.
- Então a nossa vida se baseia em relacionamentos? Seja amoroso, amistoso, profissional, familiar..?
- Baseia-se, sim.
- E de alguma forma em todo relacionamento há a presença da dor, que é má?
- Está sempre presente.
- Então nenhum relacionamento é perfeito?
- Concordo. Nenhum relacionamento é perfeito.
- Mas deixam de ser funcionais?
- Continuam sendo funcionais de acordo com o seu propósito e o que a pessoa procura, mas nem por isso ele é perfeito.
- Então procuramos aquilo que é funcional para nós?
- É o que procuramos.
- Oras, então creio que já chegamos na nossa resposta.
- Não entendo como.
- Acompanhe meu raciocínio. Se a nossa simples existência é nociva ao próximo em algum momento de nossa vida, já não somos mais perfeitos. Porém, estamos sempre a procura de algo, algum objetivo. Para isso passamos por vários relacionamentos, imperfeitos, para chegarmos ao objetivo tido por nós como maior e principal: construir uma família. Mesmo a realização desse objetivo de certa forma vai causar danos a alguem. Seja da própria família, ou de fora dela. Porém, concordamos que apesar de nossos relacionamentos não serem perfeitos, eles são funcionais para nós. No fim, o que procuramos está fora da Perfeição Universal, cumprindo apenas a parte da funcionalidade. Portanto, a perfeição que o ser humano procura não existe. O que existe é apenas a parte funcional para cada um.
- E nem sempre o que é funcional para um é funcional para outro.
- Exatamente. Procuramos o que é funcional para nós, sem nos preocuparmos se isso é funcional para o próximo. Por esse e outros motivos, a partir de certo ponto, a simples existência do ser humano já é imperfeita, assim como nossos relacionamentos e nossa própria vida e existência.
- Creio que realmente chegamos a nossa conclusão, Sócrates. Não quer dizer que ela é verdade universal, mas foi o que conseguimos constatar com essa conversa.
- E se alguem nos perguntar nossa opinião sobre o assunto, já sabemos o que responder.

Após esse diálogo retornamos para a festa e mais tarde fomos dormir. Gostaria de lembrar que não somos filósofos, nem cientistas sociais. Somos apenas jovens que gostam de pensar um pouco sobre assuntos polêmicos e sobre o que nossa espécie realmente é. Gostamos de quebrar os paradigmas impostos pelas pessoas, mas obviamente não nos achamos donos da verdade absoluta. Não chegamos e falamos "vamos filosofar sobre determinado assunto!". O assunto geralmente aparece no meio da conversa, e quando menos percebemos já estamos analisando de forma parecida com a que relatei.  E claro, o diálogo não foi 100% dessa maneira. Foi de uma forma coloquial e descontraída, com alguns palavrões, alterações de ambas as partes por causa da bebida, mas a essência é essa e o raciocínio utilizado foi esse. Tentarei postar de vez em quando alguns diálogos e conversas sobre determinados assuntos. Tenham uma boa noite.
Sócrates.

Um comentário:

  1. Sempre tive uma ideia sobre a perfeição ser o equilíbrio entre o que é nocivo (uma briga, uma discursão...), e o que é relativamente o objetivo de todos: aqueles poucos segundos felizes que marcam a vida.

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